sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Desespelho

De tanto fragmentar-me
perdi-me em estilhaços.
De quantos cacos serei feita?
De quantas plumas de quantos palhaços?
A luz escorre pela rua estreita
refletida por mil pedaços
iluminando a poeira compacta
com a qual eu mais me desfaço.

Fui desenhada

O coração negro de carvão.
A mente expansiva como uma gota de aquarela pingada no papel.
Eles me desenharam.
Eles.
Saí um belo fantoche.

(As pernas,
bidimensionais,
para não saírem andando por aí).

Anti-pinóquio.
Fechei-me como uma ostra
como uma caixa de bosta
e nessa conversa "nossa"
em que meu coração monologa
só e aflito
sem seu pito
ele quase foge do peito.

Ai, que vontade!

Ai, que vontade
de quebrar a casa
de quebrar a cara
de quebrar o canto
o encanto,
o conto,
o verso, a rima.

Que vontade
de pôr fogo na cama
de queimar a Bíblia
de queimar incenso
de queimar um.

De cagar no mundo
de parir uma vela
e soltar um pum!

Ai, que vontade! II

Ai, que vontade
de rabiscar
de me matar
de pular a cerca
de mudar a rota
soltar um arroto
alterar a meta
dar a boceta.

De bocejar
me masturbar
fugir do lar
de assassinar
(a psicóloga).

Ai, que vontade
de assinar o divórcio
me entregar ao ócio
comer silício
cair no vício.

Andar pra trás
que me desfaz
essa sua ausência.

De seqüestrá-lo
e estuprá-lo
e saciá-lo.

De ficar nua
no meio da rua
de comer sopa
andar na garupa
da sua moto.

Beijar sua foto
ser sua puta
comer farofa
ser terremoto.

De serenar
de chover
de tempestar
pra encharcá-lo.

Esfaquear o galo
queimar dinheiro
ir no banheiro
e vomitar
o mundo inteiro!

Ai, que vontade! III

Ai, que vontade
de não ter mais vontade!
vou processar meu inconsciente
por ter se (me) apaixonado por um indigente
tenho provas guardadas em gavetas
de que o meu inconsciente é responsável
pelas minhas turbulentas metas
vou processá-lo
exorcizá-lo
da minha mente

porque ele mente
me engana
me fere
me polui

Ui!
que raiva
inconsciente do inferno
(pior que o descrito por Dante)
não mereceria isso
nem mesmo um elefante!

Planos macabros
tramados contra mim
já declarei
uma guerra sem fim!

Sina

Dura
muito pouco
a minha
cura

a felicidade vai embora tão de repente...

Gira
o mundo e
dói a minha
ira

(conturbada mas silente)

Talvez criar seja a minha sina:
escrever o poema de cada dia
e morrer de fome na esquina.

Meu sussurro é geada na sua vegetação

amor inútil
coração réptil

eu: fezes que adubam uma flor-amor-mofo

Não tenho estofo
para te conquistar.

Quase-autismo

Ai que vontade de abraçar alguém, não sei quem
dar um chute na bunda da minha namorada Carência

Mandar ela pra fora da Via Láctea
pra que ela chupe dedo até sair leite

E me deixe em paz!

Mas ela é ciumenta
não deixa ninguém se aproximar de mim

Vive me vigiando de sua sentinela
Com olhos bem abertos
e fuziladores.

Mais que ciumenta, possessiva:
doente

E eu ranjo os dentes
que não mordiscam ninguém

Carentes de outros dentes

que saibam morder delicadamente
como se sorve uma fruta

há quanto tempo não sou p...

Cerrada numa cela entrincheirada do mundo!

Lastro a lastro

(a Maíra)

Eu me rasgo nesse rastro.

O perfume de fruta perfura
narinas esquálidas.
O suor adocicado
escorre nas espáduas.
Tantas frontes pálidas
não têm raiz quadrada.
Mas a resposta certa
a todos será negada.

Necrofilia

Fiz do meu corpo sepultura.
Mas quando vieram exumar o cadáver
não deixei de,
na minha rigidez cadáverica,
gozar.
Estupro sua mulher
chuto o seu cachorro
roubo um cigarro do seu maço.

Arranho seu carro
quebro o espelho
mas assumo tudo o que faço.
Queimou a lâmpada do vaga-lume.
Acabou a pinga do vagabundo.

Amassei o pára-choque
ao som de Paralamas.
Não sei do seu paradeiro.
Não entendi a parábola.

Só resta comer carambola.

Surto criativo

E de repente a poesia era tóxica
ou ela se afogava num tubo de nanquim.

Inalava as letras todas
até a caixa toráxica
e asfixiava-se
e chegava ao fim.